A intenção da equipe do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) de criar um conjunto de mecanismos para alterar a política de preços — com calibragem regional, por meio da criação de valores de referência — é vista por especialistas com ressalvas.
Um ex-integrante da Agência Nacional do Petróleo (ANP), que pediu para não ser identificado, pondera que a criação de um mecanismo transparente para os preços de gasolina e diesel é importante, uma vez que as iniciativas adotadas até agora se mostraram fracassadas.
A política de paridade de importação, instituída no governo de Michel Temer, carece de critérios transparentes, apontou, ressaltando que o mercado não consegue discernir quando o valor da gasollina e do diesel vai cair ou subir em consequência das cotações do petróleo e do dólar.
Durante o segundo turno da eleição, por exemplo, diversos especialistas defenderam reajustes diante do aumento do preço do barril, citando defasagem nos combustíveis, mas a Petrobras não promove reajustes desde setembro.
Diversos países que contam com petroleiras estatais em locais como América Latina, China, Rússia e Oriente Médio contam com políticas de preços próprias, mas analistas avaliam que elas não são transparentes.
A proposta na mesa, de criar um mecanismo que une preços locais e de importação dividido por regiões, pode encontrar dificuldades, já que as empresas, por estratégia, evitam abrir toda a estrutura de custos por uma questão concorrencial.
Além disso, em termos práticos, seria necessário incluir na conta os custos de biocombustíveis, como o etanol (que é misturado na gasolina) e biodiesel, o que torna a equação mais complexa.
Caso o plano siga adiante, o Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) deveria indicar essa atribuição à ANP.
Outra fonte que já fez parte dos quadros da ANP destaca que é preciso entender como seria feita a divisão regional, já que, a depender da configuração, o Nordeste poderia ter de arcar com preço maior em razão dos custos logísticos, já que tem a mesma quantidade de refinarias que o Sudeste.
Uma alternativa, segundo fontes, seria aumentar a produção nacional com uma capacidade maior de refino. Mas os especialistas alertam que a construção de uma refinaria tem período superior a quatro anos, ou seja, o prazo é superior ao mandato de Lula.
Um ponto importante no caminho é definir a questão do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) de combustíveis, que vai precisar ser resolvida entre Lula e os estados.
Impacto do ICMS
Os estados só têm garantia de compensação por parte do governo federal, em razão da redução do ICMS, até o fim do ano. Há incerteza sobre como isso será tratado em 2023.
Para Cleveland Prates, professor de Direito da Fundação Getulio Vargas (FGV) em São Paulo, a intenção de criar uma política de preços que não seja baseada diretamente nos preços internacionais pode reduzir a competição com importadores, reforçando o monopólio de fato da estatal.
Especialistas apontam que proposta de calibrar preços com valores regionais pode dificultar concorrência no setor
Segundo Prates, essa é uma questão que deveria ser avaliada pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), órgão que regula a concorrência. A preocupação dos especialistas é com a segurança do abastecimento, uma vez que algum tipo de controle de preços poderia causar falta de combustível.
—Hoje, um terço do diesel consumido é importado, demanda que é atendida pelos importadores. E se o preço estiver muito descolado, não haverá incentivo para essa competição. Essas empresas podem acusar a estatal de práticas anticompetitivas, colocando o preço no limite que inviabiliza a entrada e competição com outras empresas — disse.
Marcelo De Assis, diretor de Upstream da consultoria Wood Mackenzie, destaca que o ponto central na discussão de preços é que o Brasil ainda não é autossuficiente em refino. Com isso, avalia ele, uma mudança na política atual de paridade de importação, pode afetar a concorrência e reduzir a atividade de importadores. Para ele, Isso pode ocasionar risco de desabastecimento:
— O ideal é o livre mercado, pois não existe tanta flexibilidade para não acompanhar as cotações internacionais. E não se sabe como o Cade reagiria a isso tudo, pois essas mudanças vão afetar o processo de venda das refinarias, gerando impacto na concorrência.
Ilan Arbetman, analista de research da Ativa Investimentos, vê ressalvas ao plano:
— A política de paridade de preços baseada na média de12 meses de importação foi fundamental para reduzir o endividamento. Dependendo do teor da nova política, podemos ter o comprometimento do desempenho financeiro. (Colaborou Vitor da Costa)
Autor/Veículo: O Globo