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Brasil pode retomar protagonismo mundial na área ambiental, mas desafios são grandes

O Brasil deve retomar o prestígio internacional nas questões climáticas e ambientais no novo governo de Luiz Inácio Lula da Silva, na análise do especialista Eduardo Viola, da USP e da FGV. Mas os desafios são grandes, alerta, tanto internamente quanto externamente. Sobretudo porque, neste momento, “a expectativa do mundo é muito alta”.

Muito mais do que em 2003, quando Lula assumiu pela primeira vez a presidência, o meio ambiente e as mudanças climáticas são atualmente um assunto central na política internacional. Não por acaso, poucas horas após confirmada a eleição de Lula para um terceiro mandato presidencial, a Noruega anunciou o desbloqueio das verbas do Fundo Amazônia, congelado desde 2019.

Outra indicação de que o tema será crucial nesta terceira passagem de Lula pela presidência foi a conversa telefônica, nesta segunda-feira, 31, com o presidente americano Joe Biden. Além do problema da fome – que atualmente atinge 33 milhões de brasileiros, segundo dados da ONU – o outro tema debatido com Biden foi, justamente, o meio ambiente. O presidente americano pediu ao colega brasileiro uma parceria mais ampla.

Depois da política ambiental do governo de Jair Bolsonaro, que fez disparar o desmatamento da Amazônia, as expectativas em relação ao novo presidente são ainda mais altas. O ator e ativista ambiental Leonardo de Caprio foi um dois que fizeram campanha nas redes sociais e, logo após a confirmação da vitória, lembrou que a eleição de Lula pode mudar “não só a história do Brasil e da Amazônia, mas também do mundo”.

Especialista em relações internacionais e mudanças climáticas, o pesquisador sênior do Instituto de Estudos Avançados (IEA) da USP e professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV) Eduardo Viola acredita que o Brasil pode voltar a ter o protagonismo internacional que já teve na esfera internacional. Para Viola, a expectativa do mundo é muito alta. Mas o país deve apresentar uma resposta rápida, disse, ou perderá a oportunidade de retomar seu protagonismo.

“A expectativa do mundo democrático é muito alta e está especialmente focada na mudança da política ambiental e climática”, disse, em entrevista ao Estadão. “O Brasil deve crescer muito como protagonista internacional, promovendo um aumento das ambições climáticas mundiais. Mas, obviamente, vai ter que começar em casa”.

Qual é a expectativa internacional sobre a política ambiental e climática do governo de Luiz Inácio Lula da Silva?
A política ambiental e climática vai mudar significativamente. Isso está claro em todos os discursos de Lula, no forte envolvimento de Marina Silva na campanha. A expectativa do mundo democrático é muito alta e está especialmente focada na mudança da política ambiental e climática, além da questão indígena.

Marina Silva, recém-eleita deputada federal pela Rede, afirmou que Lula pretende enviar uma comitiva à COP27 – a reunião climática da ONU que acontece em dezembro, no Egito. Já será um aceno internacional importante?
Sim, claro. O governo brasileiro estará lá, dando a sua linha (política). Mas haverá com certeza representantes do novo governo. Marina Silva estará. A expectativa internacional é muito alta. Mas acho que também será exigida a implementação muito rápida. O Brasil deve crescer muito como protagonista internacional, promovendo um aumento das ambições climáticas mundiais. Mas, obviamente, vai ter que começar em casa.

O que a comunidade internacional espera?
A redução do desmatamento da Amazônia, com certeza. Controlar o desmatamento é complicado, mas acho que há uma disposição e uma vontade política muito fortes. Quando comparamos a atual situação à do primeiro governo de Lula, vemos um fator favorável e outro desfavorável. O favorável é que a mudança climática tem hoje muito mais importância do que tinha há quinze anos. O desfavorável é que atualmente as atividades ilegais na região estão todas associadas ao crime organizado; antes, eram mais pulverizadas, artesanais. Ou seja, vão oferecer uma resistência bem maior, e vão demandar mais esforços do governo; sobretudo considerando que têm muitos representantes nas Assembleias Legislativas dos estados. Outra coisa fundamental é a criação de um mercado de carbono nacional regulado. Já há um projeto na Câmara dos Deputados sobre isso desde o ano passado. Outra oportunidade que se abre, embora haja setores do PT contrários à ideia, é a adesão ao acordo de livre comércio entre o Mercosul e a União Europeia, cujo principal obstáculo é a questão ambiental.

A Noruega já anunciou o desbloqueio do Fundo Amazônia. Isso deve ajudar o novo governo no caso do combate ao desmatamento, não?
Sim. E a volta do fundo deve incentivar a abertura de várias outras possibilidades de apoio e de financiamento. Isso deve aumentar muito. Por outro lado, o novo governo será cobrado para dar uma resposta muito rápida. O Brasil vai precisar mostrar que é capaz de implementar ações ou toda essa expectativa favorável se erode também. Mas tenho quase certeza de que Lula tem consciência disso.

O que o governo poderia fazer rapidamente, como um aceno importante?
Uma coisa que pode ser feita rapidamente, até mesmo agora, na COP, antes mesmo da posse, seria o anúncio das novas ambições climáticas do país – metas de corte de CO2 e outros gases do efeito estufa. Foi o que o Biden fez, já no primeiro dia de seu governo, anunciando a volta ao Acordo de Paris. Lula poderia redefinir as metas climáticas, com ambições maiores, já no primeiro mês de governo. Isso teria um grande impacto e é fácil de fazer.

E a indicação de Marina Silva para o Ministério do Meio Ambiente?
Sim, isso seria também um sinal importantíssimo para o mundo. Não há ninguém hoje, nem remotamente, que se compare à Marina Silva em termos de impacto internacional. Não há nenhuma outra pessoa com o prestígio internacional dela, com a base de credibilidade. Ela é da Amazônia e foi no ministério dela que se deu a virada da política ambiental do país. E eu diria que há uma chance alta de isso acontecer. O mundo está esperando por Marina Silva.

Por outro lado, Marina Silva acabou deixando o governo lá atrás por conta das (baixas) ambições ambientais. Como os olhos do mundo voltados para cá, seria possível, por exemplo, hoje, termos uma Belo Monte?
Hoje, Belo Monte não seria viabilizada. As grandes hidrelétricas na Amazônia em um governo Lula não têm futuro, isso nunca avançaria. O país tem um potencial eólico e solar gigantescos e, atualmente, essas energias são competitivas em termos de mercado. E poderiam ser ainda mais com uma promoção governamental.

Como o senhor avalia a questão dos carros elétricos no governo de Lula?
Essa é uma coisa incerta. Na verdade, no caso do Brasil, seriam carros híbridos, com eletricidade e etanol, por conta das distâncias e da logística da recarga. Qual será o posicionamento do Brasil sobre isso, levando-se em conta que os principais países já disseram que vão abandonar o motor por combustão interna até 2035? Porque aí teremos problemas com os sindicatos dos petroleiros, das autopeças, da indústria automobilística. E há um receio de desemprego em massa. Lula certamente será muito sensível a isso.

A agricultura de baixo carbono poderia ser viável?
Poderia ser, sim. Mas tudo vai depender da construção de pontes com todos os setores do agronegócio, que é um grupo muito poderoso tanto do ponto de vista econômico quanto político, e que votou em peso em Bolsonaro. Um nome como o da senadora Simone Tebet pode ser importante para a construção dessas pontes.

Roberta Jansen

FONTE: NOVACANA