A ampliação da lista de commodities agropecuárias que deixarão de entrar na União Europeia (UE) caso sejam originárias de áreas desmatadas até 31 de dezembro de 2019, é vista como mais uma medida protecionista em andamento por integrantes do governo, especialistas e produtores brasileiros ouvidos pelo O Globo.
A avaliação é que a medida, aprovada nesta terça-feira pelo Parlamento Europeu e que ainda precisa ser negociada com os 27 países da UE, viola tratados internacionais e não considera as legislações de cada país, como, no caso do Brasil, o Código Florestal.
A proposta atinge diretamente não apenas o Brasil, mas também Indonésia, Argentina, Gana, Nigéria e outros países produtores. No texto original apresentado à Comissão Europeia, em outubro de 2020, os itens que faziam parte da lista eram carne bovina, café, soja, cacau, óleo de palma e madeira. O novo texto inclui carnes de frango e suína, ovinos, caprinos, milho, borracha, além de carvão vegetal e papel.
“À primeira vista, a matéria é mais uma barreira comercial do que ambiental e ainda pode beneficiar terceiros, como os Estados Unidos, que são nossos principais concorrentes”, disse o presidente da Associação Brasileira de Comércio Exterior (AEB), José Augusto de Castro.
Ele chamou atenção para o elevado número de abstenções (123 parlamentares). Isso, a seu ver, mostra que não há consenso dentro do bloco europeu. Contudo, a proposta teve 453 votos a favor e 57 contra.
A Associação Brasileira dos Produtores de Soja (Aprosoja) chamou a medida de “protecionismo comercial disfarçado de preservação ambiental”. Segundo a entidade, a proposta é uma “afronta à soberania nacional”, que coloca em uma mesma vala o desmatamento ilegal e o uso do solo permitido pela legislação brasileira.
“Estamos trabalhando há décadas para que a indústria europeia e as tradings que atuam no mercado global de grãos aceitem o Código Florestal, que foi aprovado de forma democrática pelo Congresso Nacional. Esta lei, única no mundo, coloca sob responsabilidade exclusiva dos produtores a preservação entre 20% e 80% de vegetação nativa em suas fazendas”, destacou a Aprosoja em uma nota.
A entidade repetiu o argumento que vem usando desde que a proposta surgiu, de que o Brasil e outros países produtores não são mais colônias europeias. E argumentou que, em relação ao desmatamento ambiental, as medidas de controle e melhoria de gestão já vêm sendo implementadas pelo governo brasileiro, que recentemente reduziu o prazo para zerar a devastação da floresta amazônica de 2030 para 2028.
Segundo o consultor internacional Welber Barral, a medida está sendo discutida há algum tempo e houve até mesmo consulta pública da qual alguns setores brasileiros participaram. Ele frisou que a proposta não proíbe exportações, mas cria uma série de requisitos para aqueles que enviam produtos para União Europeia, principalmente carnes, cacau, madeira e móveis.
“As cadeias produtivas terão de ser fiscalizadas para demonstrarem que os produtos não saíram de área de desmatamento, o que pode, sim, vir a se tornar uma medida protecionista contra as exportações brasileiras”, afirmou Barral.
O Itamaraty informou que vem acompanhando com atenção o tratamento do projeto votado nesta terça-feira. Segundo o órgão, a matéria aprovada no Parlamento Europeu ainda deverá ser analisada de forma conjunta pela Comissão Europeia, pelo Conselho Europeu e pelo Parlamento Europeu.
“O governo brasileiro espera que a iniciativa da lei não venha a discriminar indevidamente contra produtos da agropecuária brasileira nem viole as regras do sistema internacional de comércio”, destacou o Itamaraty, em resposta ao Globo.
Segundo a pasta, o Brasil transmitiu à Comissão Europeia sua visão e suas preocupações sobre o tema. Reiterou que continua aberto para manter diálogo a esse respeito.
“A legislação vai para a etapa final de negociação e isso traz um desavio óbvio para o Brasil, pois existe um mercado importante que não quer desmatamento. Porém, temos um governo e um Congresso que dão suporte ao desmatamento”, disse o secretário-executivo do Observatório do Clima, Márcio Astrini.
Ele ressaltou que o ideal é que sejam usadas áreas já abertas para aumentar a produção de alimentos, sem destruir as florestas. O desmatamento, argumentou, é, além de tudo, péssimo para a imagem do Brasil.
Eliane Oliveira – FONTE: NOVA CANA